sábado, 13 de abril de 2013

MESMO APÓS ACIDENTE COM ÔNIBUS NA AV. BRASIL, IMPRUDÊNCIA IMPERA



RIO — A tragédia com o ônibus da linha 328 (Castelo-Bananal) — que despencou de um viaduto sobre a Avenida Brasil na última terça-feira, matando sete pessoas e ferindo 11 — parece não ter servido de exemplo para os motoristas de coletivos do Rio. Um dia após o acidente, a imprudência ainda imperava nas ruas. Na quarta-feira, repórteres do GLOBO embarcaram num veículo da linha 836 (Caboclos-Campo Grande), que, na Ouvidoria da Secretaria municipal de Transportes, encabeça o ranking de queixas sobre conduta de motoristas. E não à toa. Num trajeto de apenas quatro quilômetros, o condutor, que acumulava a função de trocador, cometeu pelo menos cinco infrações: falou ao celular, desembarcou e embarcou passageiros fora do ponto, avançou um sinal, largou por longo tempo as mãos do volante para contar dinheiro e, como se não bastasse, fumou dentro do coletivo. Isso tudo diante das câmeras de segurança instaladas no coletivo.
 
Num levantamento da secretaria, a linha figura em terceiro lugar na lista das dez piores na categoria nível de serviço. Em 2012, foram registradas 28.294 reclamações de usuários de ônibus na Ouvidoria do órgão. Este ano, desde janeiro, já são 7.455.
No caso da 836, a bagunça já começa no ponto final, ao lado do terminal de ônibus de Campo Grande. Além da demora, não há um ponto fixo para embarque.
— Deveria ser aqui, mas às vezes o embarque é lá na frente, e a gente tem que sair correndo — contou a diarista Maria Ferreira.
Após 45 minutos de espera, o ônibus finalmente chegou ao ponto, com o motorista fumando ao volante. Não bastasse o cheiro forte de cigarro, foi difícil encontrar um local para sentar, porque muitos bancos estavam molhados. O motorista seguiu viagem — ou pelo menos tentou. O trânsito na quarta-feira chuvosa não ajudava e, no meio do congestionamento, ele tirou o celular do bolso para avisar a alguém que não poderia ir a um compromisso. A essa altura, o ônibus estava no meio da rua. No entanto, mesmo assim, ele abriu a porta para o embarque de uma passageira.
Mais à frente, o motorista de um outro micro-ônibus pede para trocar uma nota de R$ 20. Os dois coletivos ficam lado a lado e bloqueiam o trânsito já caótico. Após a troca, o condutor da 836 larga o volante para contar e arrumar o dinheiro. Entre uma nota e outra, ele corrigia o volante, que insistia em virar para o lado esquerdo.
A série de infrações continuou: o motorista abriu a porta, no meio da rua, dessa vez para o desembarque de duas mulheres. Nesse momento, o ônibus já estava na Estrada do Monteiro, onde avançou um sinal.
Não parar no ponto: principal reclamação
Motoristas de ônibus fazendo bandalha são uma cena comum no trânsito do Rio. Ainda na semana passada, na Ilha do Governador, um condutor da linha 910 (Madureira-Bananal) chegou a invadir a calçada para ultrapassar duas vans. O coletivo é da Paranapuan, a mesma viação da linha 328, do acidente de terça-feira. Após a tragédia, aliás, a Secretaria municipal de Transportes intensificou a fiscalização sobre os veículos da empresa. Resultado: de quarta a sexta-feira, dez coletivos da Paranapuan foram lacrados e rebocados, todos com pelo menos uma irregularidade em comum: a última vistoria do Detran datava de 2011 (problema que o 328 também tinha).
Há ainda quem cometa irregularidades para melhorar seu conforto. Há sete dias, no terminal da Praça Quinze, um motorista circulava com um pedaço de papelão encaixado no vidro lateral, fazendo a vez dos antigos quebra-ventos e prejudicando a sua própria visão. De acordo com a Secretaria municipal de Transportes, o “jeitinho” a que o condutor recorreu para melhorar a entrada de ar e se refrescar configura descaracterização do veículo e é punível com multa de R$ 555.
O levantamento feito pela secretaria reúne queixas de usuários feitas em três meses: novembro, dezembro e janeiro passados. Entre as reclamações sobre a conduta dos motoristas, as mais frequentes são não parar no ponto, comprometer a segurança de terceiros e arrancar ou frear bruscamente. A Zona Sul, onde circulam 121 linhas, é a região que mais reclama sobre o comportamento dos condutores (62,81%). No quesito nível do serviço, a região respondeu por 45,45% das queixas; e, quanto à conservação da frota, por 29,75%.
Na categoria prestação de serviço, a linha 611 (Del Castilho-Curicica) foi a que mais suscitou reclamações. Na fila do ponto final da linha, no Shopping Nova América, dez entre dez passageiros se queixaram de falta de pontualidade.
— O ônibus demora e, quando chega, leva mais de 30 minutos para sair — reclamou a estudante Mônica Vergueiro, de 35 anos.
Entre as dez linhas que mais foram motivo de reclamações no item conservação, a 524 (Botafogo-Barra) encabeça a lista. Mau estado dos bancos e falta de limpeza interna e externa são os problemas mais comuns, de acordo com passageiros. A linha ganhou novos carros, mas os problemas são os mesmos dos antigos, segundo os usuários.
— Os ônibus já estão pichados e, no verão, as baratas aparecem. Sem falar na lotação e no calor — reclamou um passageiro na sexta-feira.
A impressão é que, saindo da Zona Sul, a preocupação das empresas com limpeza e manutenção dos ônibus é ainda menor. O estado precário da frota da linha 875 (Campo Grande-Cascadura), da empresa Padre Miguel (antiga Feital), por exemplo, levou a prefeitura a apreender nove veículos. Semana passada, dois coletivos que deixaram o terminal de Bangu estavam sujos e tinham peças quebradas, como para-choques e lanternas.
— A sujeira incomoda, mas o pior são os motoristas. Eles correm tanto, que a empresa é conhecida como Fatal, por causa da grande quantidade de acidentes com seus ônibus — comentou Rosemeri Mendes, de 46 anos.
Secretário: câmeras para coibir infrações
Na garagem da empresa, na Avenida Santa Cruz, em Padre Miguel, não havia um responsável para falar sobre o estado precário da frota. No entanto, foi possível flagrar um motorista deixando a garagem fumando ao volante. Um desrespeito a uma lei estadual de 1996, reforçada pela Lei Antifumo, que proíbe fumar em locais fechados.
O secretário municipal de Transportes, Carlos Roberto Osorio, disse que as empresas começarão a usar as imagens das câmeras instaladas dentro dos veículos para coibir as infrações praticadas por motoristas:
— São 18 mil rodoviários operando no Rio. Há bons profissionais, mas há também um número importante de profissionais que não trabalham adequadamente. É um desafio para nós e para as empresas — comentou.
Em nota, a Fetranspor informou que “as empresas (...) estão fazendo esforços para renovar a frota e também têm feito investimentos em treinamento”. A empresa Jabour, que explora a linha 836, afirmou em nota que “faz investimentos consideráveis na seleção e no treinamento de seus profissionais e, como medida de prevenção, mantém inspetores e fiscais em diversos pontos dos itinerários de suas linhas”. Já a Translitorânea, da linha 524, afirmou que “a empresa mantém esquema regular de manutenção preventiva e corretiva” e lembra que sua frota “é uma das mais novas da cidade”. A empresa da 611, a Litoral Rio, do consórcio Transcarioca, não se manifestou.